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18 janeiro 2012

Cartas a Dolores

     12 de outubro de 1943

     
     Estou seco. Sinto-me secar. Secar por dentro. Apodrecer como uma fruta. Trago comigo uma larva. Interior. Mineira. Em mim escava. Alma. Entranhas. Tudo. Tu sabes, Dolores, de que larva falo. Essa saudade... Essa saudade que corrói. E me derruba. E me mata. Estou morto.
     Sim, poupo hoje nas palavras, atacado que estou de desânimo. Falar é custoso. Não como. Não durmo. Queria, ao menos, dormir. Talvez num sonho... Talvez num sonho não fosse assim.
     
     Do teu Francisco
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     3 de fevereiro de 1944

     Preferes o silêncio. E esse teu silêncio me fere profundo. Não saber de ti... Se soubesses o quanto me angustia! E me angustia ainda mais essa ideia que me vaga no pensamento, a de que me queres esquecer e para mim já não tens os mesmos carinhosos olhos. Esquecer será o melhor, pensarás. Mas melhor em quê, meu amor? Em quê? Nos poupará a infelicidade atroz, umas quantas dores trucidantes, desesperadas, dias cinzentos de amargura e pranto? Só por isso? Só por isso nos devemos esquecer? 
     Eu quero sofrer! Eu quero! E minhas emoções não me dão sequer outra escolha. É amar ou amar. A ti. A ti. A ti. Sempre a ti. E é o que alguma vez senti de mais belo. Embora me doa.
     Dói como se em sendo eu um peixe me pescassem, faltam-me oxigénio, ar, o braço livre, nadar, nadar... O meu mundo me falta. Esse onde era feliz. De uma felicidade besta. Quase sem sentido. Feliz nas banalidades. Próprio de humilde alma. Esse mundo se foi. Ganhei em sentir. Mas do sentir também muito ganhei em dor.
     Dolores, só um pedido te faço, responde-me. Nem que numa carta em branco, palavra ausente. Que eu te saiba nela, no branco da folha, é quanto me bastará.

     Do teu Francisco



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