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25 janeiro 2012

Fábula do Homem do Sapato Vermelho


O homem do sapato vermelho
Era bem alto, bem magro,
Torto e mal enjambrado,
Saltava numa perna só
Fazendo uso de um só sapato,
Já meio gasto e apertado,
Um número do dele abaixo.

E coaxava,
Estridente e fastidioso,
Nas margens do grande lago.

Plop! Poc! Pok!

Chapinhava satisfeito
Que nem criança
Em lodosa água,
De planta
Em planta saltando,
E era estranho seu embaraço.
Da outra perna descalça
O diacho do homem não fazia caso.
Fatalidade, dizia,
Carregar perna doente
Até ao fim dos dias,
Perna sem sapato não faz falta.

E a rã Penélope e as amigas,
Trocistas, do invulgar homem riam.
"Parece maluco, se agacha numa pata só
E se julga assim no lucro. 
Parece sapo paraguaio, 
Seu coaxar é falso, coisas do contrabando,
Lhe desse a divina fortuna
Um outro sapato
Lhe endireitava a vida e a coluna."


E assim se deu o caso.
Um dia, num riacho ali do lado
Veio boiando um coturno,
Preto, a modos que pouco usado,
E as rãs, espertas, astutas, 
Atabalhoadas o pescaram.
Era oportunidade tamanha,
Verem-se livres desse chanfrado
Que as atrapalhava no banho.

E em silêncio noturno,
O caçando dormindo o calçaram.
Mas, ai, tamanho!
Quando o homem-sapo acordou
Tamanho foi o grito,
Que não sabendo desapertar cadarço
Toda a santa noite pinchou.

"Ai, danado, que é que é isto?
Minha perna doente
Um tumor doente abriga,
Preto, bem vivo,
Tão medonho
Inté respira."


E assim desesperado 
O pegou o elefante Nuno,
Pela tromba, bem entendido,
E tal foi o balanço
Pra aqui, pra acolá,
Deus nos acuda!
Ao cabo de meia hora
Estava o homem-sapo descalço.
Mas, ó desgraça!,
Dos dois pés todavia.

Se fez longa procura,
Dez noites e dez dias,
Do calçado ninguém deu conta
Nem viv'alma sabia.
Apareceu só um dia
Um cadarço lá pra longínquas bandas
E do fantasma das pernas tortas
Tempos depois chegou notícia:
"Quem quiser sapato vermelho
Me acompanhe ao outro mundo."


Oh, Deus, assim dito, assim feito.
Diabo do homem-sapo
Comprou a dita passagem
E torto, se arrastando,
Duas pernas doentes não ajudando,
Se foi uma madrugada
Lá pros lados do tinhoso
Nem rindo nem coaxando.

Lá das trevas
Não chegou resposta nem mandada,
Notícia nenhuma trouxeram as auroras
Nem as aves migratórias.
E em bom abono da verdade
Já ninguém do fulano lembrava,
Homem-sapo não deixou saudade.

Mas eis que aos noventa dias
De viagem, o sapo-homem
Deu um ar da sua graça,
Entrou rua adentro pulando,
Dois pés calçados
Com vermelhos sapatos,
E longo, longo atrelado,
Sapato de todo o gosto,
Cores diversas e diversos feitios...
Oh, eram aos mil!,
Ninguém ficaria a ver navios.


Fez todo o povo seu gosto.
Calçaram elegantes descalços pés,
"Oh, são lindos, são lindos,
Não sei nem como sem eles vivia
E fossem eles de outra cor, garanto,
Já não os quereria."
E são essas comuns falas,
Diálogos comuns na pobre terra,
Que por todo lado se espalham
Antes mesmo de à noite
Todos coaxarem no lago.





6 comentários:

  1. Uma fábula muito engraçada.
    Descalço nasceu e descalço morreu.
    Se a lenda diz que voltou, eu acredito
    A história também se repete
    Que nos salve Cristo Bendito

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    1. Muitas vezes pra nossa infelicidade essa repetição da história. No caso, foi bom, trouxe sapatos de tudo quanto era jeito. Um abraço.

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  2. perfeito, bem elaborado, escrita incrivel. sou fã.

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    1. Muito obrigado, Ana. É muito bom saber que gosta do que escrevo, funciona como uma injeção de ânimo. Um abraço.

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"Seja bem vindo quem vier por bem."