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27 novembro 2012

Cacau



        Na ida ao shoping encontrei Manuela. Coitada, ainda não recuperou a forma depois da gravidez. O possível, claro. Aquelas gordurinhas na anca, é impossível se livrar delas. Delas e desses setenta quilos mal pesados. Balança simpática, sabe? Eu nunca lhe disse nada. Para quê? Para que dizer?  A gente é sincera e ela ainda se ofende e fica de mal comigo! Estou farta de pagar por ser boa. E me dá uma pena, mulher. O menino dela, havia de ver, mirradinho, nego, cabelo nenhum, carinha assim feiinha, feiinha, Deus me perdoe, sem futuro, os bebês não são todos bonitos como as pessoas querem crer, o dela, pobre Paco, não é. Imagino-o pedreiro, mecânico, gari... Doutor? Doutor, não. Está destinado, filha. Tem a pobreza estampada no rosto. Já o meu Júlio... O meu Júlio é um menino bonito, é de outra casta, olhe para ele, olho claro, loiro, pele branca, e esperto!... Você nem imagina. Tem só três aninhos e já sabe todas as cores, conta até dez, conhece os emblemas dos times, gosta do Fluminense, e nada de fralda nem de mamadeira já. É lindo, não é?
         A criança, brincando no pátio, e cuja mãe apontou, era realmente linda, tinha os cabelos crespos, negros, enrolados de dar dó, a pele morena, marrom bonito, marrom de chocolate, os olhos caramelizados, doces, um jeito introspectivo, carinhoso, meio suscitando simpatia, meio suscitando piedade, tinha aquele sorriso de criança que consegue tudo de nós adultos, que toca, e eu, entrando na conversa a despropósito, como um tabefe inesperado que se solta na cara, soltei: qual? Aquele neguinho ali com a fralda suja?, naturalidade, ser negro não é defeito nenhum, ter a fralda suja com três anos também é perfeitamente normal e concebível, é uma criança, a mãe hesitou um instante, parecia surpresa, mas uns segundos depois, entre a tossida e o piscar de olhos breve da senhora que a acompanhava, arriscou: não, moço, aquele ali de camiseta polo, loirinho, olhe, ali correndo. Tá vendo?, Eu vi, sim, vi um menino correndo doido no pátio, armando emboscadas às pobres pombas domingueiras, moreno, moreno, moreno cacau, sabido, ágil, esperto, lindo, de fato era lindo, moreno, moreno, moreno cacau, “lindo, seu filho, senhora”, o disse com a mesma ligeireza com que pensei quantos pais se recusam a aceitar os filhos que têm. 
         E lembrei meu avô, Seu Robson, morreu velhinho, pra lá de noventa anos, sem acreditar que minha vó era neguinha, marrom bonito, marrom chocolate, morena, morena, morena cacau. 





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