Foge,
menino, das intempéries, mas sem que muito corras... Sabes, não podes, sem
coração, fazer muito esforço e, bem justos sejamos, não sei nem como a natureza
se permite a tal coisa, dar vida a quem não tem coração que pula e ama. Quem
teu sangue bombeia se não Deus ou a própria alma?
E o pálido menino, mais branco que o
branco do mármore, senta choroso, triste, embaixo de chorona árvore. Um dia,
ele sabe, talvez num ápice tudo acabe.
"Senhora, lhe digo de boa fé,
coisa como esta custa a crer e meu cérebro, suspeitoso, duvida até do que vê. O
menino não tem pulso, não tem um só batimento, e eu digo-lhe, bem sério, não
sei nem se esse coração em falta lhe impede o sentimento. Coisas de Deus, que
só o próprio Deus entende."
E a mãe do menino, chorosa, tímidas
lágrimas enxugando, num último suspiro encontra força e solta fraca e
soluçando: "Por favor, doutor, me diga... Meu menino, me confirme, quantos
dias tem de vida?"
Franze o olho o doutor, como se dizê-lo
não quisesse, mas, oh, remédio!, avança pouco certo prognóstico. A modos, que
maiores males não se apregoam- é sério.
"Senhora, não sei. Tampouco sabe a
ciência remédio que nos valha quando fulminante dor é a da perda. Tomara fosse
Deus e um tempo pudesse adiantar com toda a certeza. Não sou, infelizmente, e
por isso uma data não ouso, não coloco validade. Faça só uma coisa: o abrace e
o ame." E a mãe assim fez. Dia após
dia dava beijo e abraço no menino pálido em seu regaço. Procurou curas e
receitas, farmácias, hospitais, pediatrias, todas as igrejas...
"Oh, Deus, por que?! A um inocente
tão mal fazes. Outra chance, meu Deus, lhe desses, entre nós se fariam as
pazes."
E a mãe, teimosa, persistente, se armou
toda ela de saberes, enciclopédias, atlas, dicionários, manuais e mapas...
Estudou com afinco o corpo humano e, antes mesmo que se fora seu menino, intentou
o estudado. Comprou três fios de arame farpado, duas pilhas de relógio bem
acertado e meia dúzia de fivelas de couro, onde mais tarde enrolou maravilhoso
coração engendrado.
"Oh, está lindo! Está lindo! E
funciona, meu filho! A batida é perfeita, uma por segundo; o sangue fraco bombeia,
não tem perigo de derrame, e a pilha, me garantiu o vendedor, dura, dura que se
farta! E não te preocupes, antes mesmo que acabe, cá estaremos de novo, com
toda a operacionalidade."
Cirurgia feita, coração implantado, se
espalhou a nova na cidade (que já tão nova não é), em todo o lado, em toda a
parte, tem muito menino pálido, coração pulando, tic-tac, tic-tac...
Excelente texto
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