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08 novembro 2013

O menino que não tinha coração



        Foge, menino, das intempéries, mas sem que muito corras... Sabes, não podes, sem coração, fazer muito esforço e, bem justos sejamos, não sei nem como a natureza se permite a tal coisa, dar vida a quem não tem coração que pula e ama. Quem teu sangue bombeia se não Deus ou a própria alma?
         E o pálido menino, mais branco que o branco do mármore, senta choroso, triste, embaixo de chorona árvore. Um dia, ele sabe, talvez num ápice tudo acabe.
     "Senhora, lhe digo de boa fé, coisa como esta custa a crer e meu cérebro, suspeitoso, duvida até do que vê. O menino não tem pulso, não tem um só batimento, e eu digo-lhe, bem sério, não sei nem se esse coração em falta lhe impede o sentimento. Coisas de Deus, que só o próprio Deus entende."         
       E a mãe do menino, chorosa, tímidas lágrimas enxugando, num último suspiro encontra força e solta fraca e soluçando: "Por favor, doutor, me diga... Meu menino, me confirme, quantos dias tem de vida?"
         Franze o olho o doutor, como se dizê-lo não quisesse, mas, oh, remédio!, avança pouco certo prognóstico. A modos, que maiores males não se apregoam- é sério.
     "Senhora, não sei. Tampouco sabe a ciência remédio que nos valha quando fulminante dor é a da perda. Tomara fosse Deus e um tempo pudesse adiantar com toda a certeza. Não sou, infelizmente, e por isso uma data não ouso, não coloco validade. Faça só uma coisa: o abrace e o ame." E a mãe assim fez. Dia após dia dava beijo e abraço no menino pálido em seu regaço. Procurou curas e receitas, farmácias, hospitais, pediatrias, todas as igrejas...
         "Oh, Deus, por que?! A um inocente tão mal fazes. Outra chance, meu Deus, lhe desses, entre nós se fariam as pazes."
         E a mãe, teimosa, persistente, se armou toda ela de saberes, enciclopédias, atlas, dicionários, manuais e mapas... Estudou com afinco o corpo humano e, antes mesmo que se fora seu menino, intentou o estudado. Comprou três fios de arame farpado, duas pilhas de relógio bem acertado e meia dúzia de fivelas de couro, onde mais tarde enrolou maravilhoso coração engendrado.
         "Oh, está lindo! Está lindo! E funciona, meu filho! A batida é perfeita, uma por segundo; o sangue fraco bombeia, não tem perigo de derrame, e a pilha, me garantiu o vendedor, dura, dura que se farta! E não te preocupes, antes mesmo que acabe, cá estaremos de novo, com toda a operacionalidade."
         Cirurgia feita, coração implantado, se espalhou a nova na cidade (que já tão nova não é), em todo o lado, em toda a parte, tem muito menino pálido, coração pulando, tic-tac, tic-tac...

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"Seja bem vindo quem vier por bem."