Tem gente, muita gente.
Remediados, ricos, pobres... Miseráveis. Doutores, juízes, delegados,
eletricistas, catadores. Pedreiros. Salário diferenciado. Diferenciada não é a
postura. De sul a norte parecem felizes. Felizes de uma felicidade boba, sem
sentido. Não tem um porquê serem felizes. São felizes e pronto. E não pensam
sequer muito nisso. É inato o sorriso. Tão inato quanto, quiçá, descabido.
“Que sorriso é esse, Pedrinho? Hein? Você está vendo
algum motivo pra isso? Sua cachorrinha morreu.”
De onde vim tem muita gente assim. Muitas mães como a
minha. Muita gente para quem um rasgo de alegria é, por vezes, ofensivo. Nesse
país... Nesse país de doutores, delegados, pedreiros aos milhões, com salário
diferenciado, diferenciada é a postura: são felizes. De norte a sul. De uma
felicidade boba, sem sentido, repetida, como repetido é o que escrevo do que
escrevi acima.
E o país é lindo. Senhor de umas quantas- tantas!-
maravilhas. Natureza esplendorosa. Boa economia. E não tem sol dia sim, dia
não. Tem sol todo o dia.
Acontece, porém, que num desses ensolarados dias, numa
cidadezinha do interior, um pastor deu conta que sua esposa falecia. E seus lábios
entortaram. Como a sombra entorta sob o sol da tarde. Fechou os sorrisos na
cave. Trocou-os por postiços. Bons, fieis à realidade. De algum charme.
“Compadre, depois que minha mulher se foi já se foram uns
quantos: Seu Armindo, Zé Castanho, o padeiro da Rosa Celeste, o velho
Sebastião, o ciclista, o encanador ali da esquina, Seu Tibúrcio... As pessoas
morrem, as pessoas morrem... E não é só aqui na nossa terrinha. É na cidade, é
no litoral, é na capital... O país todo morre.”
E no país do sorriso bobo nunca ninguém havia dado conta
disso. Fazia séculos, desde sempre as pessoas morriam. Mas no país do sorriso
bobo ninguém parava para pensar nisso. Era o sorriso pelo sorriso. A graça pela
graça. O juízo pelo sem juízo.
Mas o pastor, penoso e triste, foi trabalhando dos outros
os ouvidos. Mexendo com tato os sentidos. “Não pode ser... Olhem nosso
prejuízo!”
Um dia, meses depois, houve manifestações em diversas
cidades. Ninguém queria morrer. Ninguém estava pronto para isso. Brancos,
negros, vermelhos, amarelos seguravam tarjas: “Morrer não é justo”, “Depois de
tudo, morrer? Eu não aceito!”, “Recuso-me a morrer”, “Morrer? Só se me
prometerem ressuscitar ao terceiro dia”, “Eu morro e ela fica com a minha
pensão? Nunca!”
Passaram os dias e meses. Os meses e os anos. Nada
aconteceu. Continuavam a morrer. Bons, justos e inocentes. Deus não age
miraculosamente. O que mudou foram os rostos. As bocas entortaram. Como, às
vezes, entorta a alma da gente.
Na vida do dia a dia ensinaram-me a guardar e a cultivar o sorriso como uma jóia muito preciosa. Também me ensinaram a guardar o silêncio. Parece que um completa o outro.
ResponderExcluirA felicidade está no interior de cada pessoa e no modo como ele desenhou a vida. Os salários são importantes mas eles não compram a saúde nem afastam a morte.
O dinheiro compra casa e posições sociais mas não compra liberdade nem os mais belos sorrisos do olhar de uma criança feliz.