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13 junho 2014

O País dos Sorrisos



            Tem gente, muita gente. Remediados, ricos, pobres... Miseráveis. Doutores, juízes, delegados, eletricistas, catadores. Pedreiros. Salário diferenciado. Diferenciada não é a postura. De sul a norte parecem felizes. Felizes de uma felicidade boba, sem sentido. Não tem um porquê serem felizes. São felizes e pronto. E não pensam sequer muito nisso. É inato o sorriso. Tão inato quanto, quiçá, descabido.
            “Que sorriso é esse, Pedrinho? Hein? Você está vendo algum motivo pra isso? Sua cachorrinha morreu.”
            De onde vim tem muita gente assim. Muitas mães como a minha. Muita gente para quem um rasgo de alegria é, por vezes, ofensivo. Nesse país... Nesse país de doutores, delegados, pedreiros aos milhões, com salário diferenciado, diferenciada é a postura: são felizes. De norte a sul. De uma felicidade boba, sem sentido, repetida, como repetido é o que escrevo do que escrevi acima.
            E o país é lindo. Senhor de umas quantas- tantas!- maravilhas. Natureza esplendorosa. Boa economia. E não tem sol dia sim, dia não. Tem sol todo o dia.
            Acontece, porém, que num desses ensolarados dias, numa cidadezinha do interior, um pastor deu conta que sua esposa falecia. E seus lábios entortaram. Como a sombra entorta sob o sol da tarde. Fechou os sorrisos na cave. Trocou-os por postiços. Bons, fieis à realidade. De algum charme.
            “Compadre, depois que minha mulher se foi já se foram uns quantos: Seu Armindo, Zé Castanho, o padeiro da Rosa Celeste, o velho Sebastião, o ciclista, o encanador ali da esquina, Seu Tibúrcio... As pessoas morrem, as pessoas morrem... E não é só aqui na nossa terrinha. É na cidade, é no litoral, é na capital... O país todo morre.”
            E no país do sorriso bobo nunca ninguém havia dado conta disso. Fazia séculos, desde sempre as pessoas morriam. Mas no país do sorriso bobo ninguém parava para pensar nisso. Era o sorriso pelo sorriso. A graça pela graça. O juízo pelo sem juízo.
            Mas o pastor, penoso e triste, foi trabalhando dos outros os ouvidos. Mexendo com tato os sentidos. “Não pode ser... Olhem nosso prejuízo!”
            Um dia, meses depois, houve manifestações em diversas cidades. Ninguém queria morrer. Ninguém estava pronto para isso. Brancos, negros, vermelhos, amarelos seguravam tarjas: “Morrer não é justo”, “Depois de tudo, morrer? Eu não aceito!”, “Recuso-me a morrer”, “Morrer? Só se me prometerem ressuscitar ao terceiro dia”, “Eu morro e ela fica com a minha pensão? Nunca!”
            Passaram os dias e meses. Os meses e os anos. Nada aconteceu. Continuavam a morrer. Bons, justos e inocentes. Deus não age miraculosamente. O que mudou foram os rostos. As bocas entortaram. Como, às vezes, entorta a alma da gente.





Um comentário:

  1. Na vida do dia a dia ensinaram-me a guardar e a cultivar o sorriso como uma jóia muito preciosa. Também me ensinaram a guardar o silêncio. Parece que um completa o outro.
    A felicidade está no interior de cada pessoa e no modo como ele desenhou a vida. Os salários são importantes mas eles não compram a saúde nem afastam a morte.
    O dinheiro compra casa e posições sociais mas não compra liberdade nem os mais belos sorrisos do olhar de uma criança feliz.

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"Seja bem vindo quem vier por bem."