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17 agosto 2014

Dudu & Dadá

 

   Capítulo 1 - A namorada de Deus

         - Eu não aguento mais! Eu não tenho um minuto de privacidade! Não tenho! Você está lá sempre! Vou ao shopping, quem é que eu encontro? Você. Vou ao teatro... Você. Vou ao banheiro... Você. Vou dormir... Você. Abro a geladeira... Você! Poxa vida, assim não dá. Quero ter meus momentos só, curtir uma solidão de vez em quando... Sabe? Ficar no sofá pensando coisa nenhuma, assistindo tv, o som desligado. Sabe? Desligar total!... Sabe, claro que sabe. O pior é que você sabe. Você sabe tudo. Eu não posso nem pensar. Não posso. Tenho medo. Desculpa, D., mas não estou aguentando. Eu não preciso nem falar mais nada. Você sabe o que vai acontecer, né? 
        - Seu pai vai morrer.
        - Meu pai?! Meu pai?! E você não vai fazer nada? Você vai deixar isso acontecer?
        - Não sou um deus intervencionista. 
       - Não é um deus intervencionista? Que merda de papo é esse? Quer dizer que quando acabar a comida na geladeira você não vai fazer nada? Vamos morrer de fome, é isso? 
        - Vamos jejuar.
        - Eu dizia onde você enfiava seu jejum. (De saída); Escroto! E não vem atrás de mim. 
        - Eu estou em toda a parte. 
        - Filho da puta!


10 dias antes:

        - Quem é você?
        - Sou eu. Venho como enviado do todo-poderoso. Trago-te uma coisa. (Tira um anel do ânus de uma galinha)
        - Que é isso?
        - O anel. O único, o primordial. Ele te guiará à luz e ao poder. Com ele serás Deus.
        - Dudu Deus?!...
        - É do Du-du caralho, né? 

        Dudu Deus abandonou a escola. Sabia tudo. Não procurou emprego. Tinha tudo. Dudu Deus criou o inferno: os subúrbios. Mas antes criou a cidade: o Rio de Janeiro. Criou os bandidos, os flanelinhas, os meninos de rua. E as escolas de samba. Teve coisa que deixou para terceiros: o diabo.
        Depois do calçadão de Ipanema e do sambódromo acabou o trabalho. E descansou. Mas o ócio e a solidão venceram-no. Um dia depois criou Dadá, sua namorada. A namorada de Deus. 
        Dadá era uma moça humilde. Costureira. 40 horas de trabalho semanais. Porque Dudu Deus quis. Órfã de pai e mãe aos 8 anos, cresceu num orfanato em Madureira. Não teve tios, primos, avós. Família nenhuma. Dudu Deus quis assim. 
        Conheceram-se no metrô:

        - Estou ligado na sua, bro. Tentando se aproveitar da moça... Zarpa daqui!
        
        O outro saiu resmungando.

        - Obrigada, moço. Seu nome?... 
        - D. 
        - D?
        - D de Dudu, D de Deus...
        - Noossa, fiquei com medo. Pensei que fosse de doido. D de doido. 

        Pausa. Ele fica sério.

       - Brincadeira, moço, desculpa aí. (Pausa); Você está brincando, né? Você não é Deus, pois não? 
       - Por que é que você pensou em fritas?

       Ninguém sabe se ela pensou em fritas, realmente. E porque é pensou em fritas. Ninguém sabe se tinham muito ou pouco sal. Se tinham maionese ou ketchup. Se eram muito ou pouco fritas. Sabe-se que o namoro deles começou naquele dia. 

        - Noossa, D, nunca ninguém teve uma conexão tão forte comigo. Sabe? É como se a gente estivesse ligado, como se já tivesse acontecido... E você fala tudo! O que eu quero ouvir, você diz. É perfeito! O tom, o jeito que você fala, como você adivinha as coisas. Noossa!... (Breve pausa); Você quer namorar comigo?
        
        O que é que Dudu Deus faria?
        
        Dudu Deus disse: Não estou preparado para namorar. Acho que nem daqui a uns mil anos. Desculpa. Isso de uma relação a dois... Sei não, sou muito individualista. 

        Hum, não era só isso. Dudu Deus sabe tudo. Dudu Deus vê tudo. Dudu Deus viu as idas ao shopping, os almoços de domingo na casa dos sogros, os orgasmos fingidos, as transas mal sucedidas, as esperas, ouviu os roncos dela, viu-a acordar de manhã... 

       - Não acredito. Isso não tem como estar preparado, D. Eu também não estou preparada. Mas... Vamos entrar de cabeça nisso? Vamos, se joga, D. Ou você não gostou de mim?
        - Gostei... 
        - Eu não sou bonita, é isso?
        - É sim, à minha imagem e semelhança.
        - Então...
        - Ok, mas sem transa no primeiro dia. 





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