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28 setembro 2015

Química

Ernesto, o professor de Química, meia idade, rosto esquálido, passos arrastados, entrou na sala, semblante fechado. Não era bravo, grosso ou deselegante. Falava com simpatia, modo suave, carinhoso...
Sentou na cadeira junto do quadro branco, pousou uma maleta em pele marrom sobre o assoalho e começou:
- Bom dia.
- Bom dia! – retribuímos.
- Os humanos são seres curiosos... Por isso, gosto da Química. Vocês sabem o que me fascina na Química? – pausa. Ninguém arriscou.
Entretanto, agachou-se, pegou a maleta, abriu-a e retirou duas pequenas garrafas – uma com água, outra com óleo – e um copo. Pousou-os sobre a mesa, do seu lado direito. Depois, enquanto o olhávamos expectantes, abriu a garrafa com água e encheu o copo sensivelmente até metade da sua capacidade.
- Agora observem. – disse, pegando a garrafa com óleo e despejando um pouco no copo, sobre a água. – Não se misturam. Veem?
À demonstração prática seguiu-se a explicação científica:
- As moléculas de água, cuja atração é resultado da ligação de hidrogênio, estão sujeitas a uma maior força intermolecular. Por isso, porque as moléculas de água se atraem com mais força que as moléculas de óleo, estas últimas não conseguem ficar entre as moléculas de água vizinhas. Simples, não é?
Nós permanecemos calados. A classe estava nesse dia inabitualmente silenciosa.
- Os humanos são curiosos... – continuou. – Pretendem que haja entre eles uma mesma separação ou não diluição como a existente entre a água e o óleo. E, no entanto, têm todos a mesma composição. Um humano, seja da Sibéria, do Bangladesh, de África ou dos Alpes suíços tem cerca de seiscentos músculos, duzentos e seis ossos e a mesma estrutura molecular: 65% de oxigênio, 18,5% de carbono, 9,5% de hidrogênio, etc.
Fez-se mais uma pausa. Parecíamos, nesse dia, incomumente atentos.
- O ser humano é curioso... Inventou, dentro do grupo a que pertence, um “outro”. Sim, um “outro”. Mas a verdade é que não há nenhum “outro”. Não há asiático, europeu, africano... Isso são convenções! O “outro” é uma cilada. O “outro” é uma invenção. Somos todos humanos!
Nesse dia, saímos da sala mais crescidos. Sim, mais crescidos, eu e todos os outros, embora não tivéssemos entendido muito bem porque o professor gostava de Química.


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