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13 novembro 2017

Rio de Janeiro



Doeu-me a dor alheia,
Que me dela alhear não pude...
Tão fraco fui e me fizera,
Tomado todo da miséria 
Achada nos outros amiúde.
A cidade, pois, contrastante,
Se erguia garbosa de bela,
Os filhos, tantos!, depostos sobre a terra,
Gordos pretéritos, esquálidos avante...
Não vivem, repousam; não teimam, cedem. 
Convenceu-os o pó, o pó, o pó de onde vieram.
Iríeis para onde, irmãos? Não vedes? Olhai-vos!
Aqui sois vós, tão completa e exatamente,
Tão vós, tão assomo de tudo, tão partícula do nada.
Aqui podeis ser o que sois, como sois,
Até o por que sois
A vida que vos foi dada.
Quando quiserdes ser livres, deitai-vos,
Não na alcofa macia e perfumada; 
Deitai-vos sobre o negrume dos dias,
A cabeça pendendo da calçada, 
Ébrios, turvos, doidos e difusos,
Parindo novas palavras.
Que sentido esse que queríeis!
Que definições e conjecturas buscáveis!
Não creio, não posso, não devo nunca crer.
Vós que conheceis o frio, o tolher dos ossos
O mirrar onírico, não tendes como ceder. 
Abaixo do solo e do verme, só uma miséria: nascer.
Mas como censurar-vos o destino, a teimosia em ser?
Como censurar-vos a vida que teimastes? - nada vos foi dado escolher.
Cai-vos sobre os ombros torcidos o sumário desprezo. 
Os outros são grandes - todos eles! - e vós, pequenos. 
Os outros têm sonhos que os levam a passear - 
Aos domingos.
(À semana não - têm que trabalhar. 
Se os sonhos não trabalhassem, como seria sonhar?)
Os outros têm esperanças. De todas as cores. Não apenas verdes. 
E sopram, e enchem-nas, puxam, repuxam, contorcem-nas, 
Até que um dia rebentam, nos ares e nas paredes. 
Esperanças morrem cedo. Jovens. E são de muita estima.
Não fossem elas, não sei que seria desses gigantes nem das suas vidas. 
Os outros possuem medos - ou estes é que os possuem - 
E fecham-nos em sótãos apertados, fazem segredo. 
Os medos são horríveis - o melhor é escondê-los.
Vós, pequenas criaturas, não tendes sonhos; 
Os que tivestes foi antigamente.
Fatalidade: foram atropelados pelo bonde.
Esperanças? Ficam no final da rua.
Uma e outra vos espreitam, uma e outra se escondem.
Vós, pequenas criaturas, não tendes sequer medos. 
Que medos havíeis de ter? 
Vós, pequenas criaturas, é que sois os medos desses gigantes. 

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