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10 fevereiro 2012

Cartas a Dolores

        13 de Junho de 1945

        Dia do padroeiro. De meu infortúnio e desgraça. Faz anos lhe pedi tua mão. Faz anos isso me nega. Não sou merecedor de suas graças. Das suas provações apenas. Má sina a minha. Nasci para o que Deus não me destina. A vida em comum. Constituir família. Casar. Ter uma meia dúzia de filhos. E uma mulher que me amasse.
        Não uma mulher qualquer. Grande problema. Essa mulher tinhas de ser tu. E durante muitos anos o acreditei. Desde nosso princípio de adolescência. Mas toda a magia finda. O encantamento é que fica. Gravado nas deleitadas retinas.
        Hoje, Dolores, vou fazer de conta. Faz também. Salvador da Bahia é aqui bem perto, fica para os lados do Porto, e logo, quando sair do trabalho, prometo, a tua casa irei lesto, aliança comprada no senhor Reinaldo, ourives da praceta, coração ansioso, pedir-te-ei em casamento. 

        De hoje não passa. Teu pai tua mão me conceda. Nos dê sua bênção. A data será de escolha tua. Não importa o dia. Nem a igreja. Nem o padre. Tem em atenção apenas minha pressa.
        O vestido. O vestido será branco. Branco puro de puro linho. Pura. Virgem renda. Véu majestoso. Deslumbrante.
        E os convidados, o Zé Balaio, meu amigo, a Tia Tónia e o Tio Quinito, o primo Julinho, a Carminho, o Tio Tone da Bouça, o Manel Pescador, tuas irmãs Rosinha e Tininha, o Seu Luís da Meta e a esposa, Dona Amália e os netos, a Tia Glórinha São Pedro, enfim, todos que nos são queridos, vibrantes com nossas núpcias.
        "Francisco José Soares das Neves, aceita Maria Dolores Aparecida da Silva como sua legítima esposa?...". Aceito!, aceito, direi de lágrima gorda no olho. "Na saúde e na doença...", Sim!, sim!, "eu vos declaro marido e mulher"... Oh, Deus!, finalmente!...

        Não acordei a edição das poesias. Achei melhor assim. Talvez noutro tempo...

        Minha mãe está quase no fim da gravidez. Come muito. E a barriga não pára de crescer. Minha avó e suas crendices, diz que pelo formato oval será mesmo uma menina. Tomara. Ficaria contente em ser o padrinho. Mas meu pai já falou em convidar o Sargento Carrazedo. É um homem respeitado e influente. E é isso que ele procura num padrinho.
        Minha mãe é que ainda disse que se estivesses cá seríamos os dois os padrinhos. Seria a sua escolha. Mas...

        Com carinho. Francisco.


4 comentários:

  1. O descrever de um sonho e o acordar num outro bem diferente.
    O casamento e as suas consequências. Esse amor bonito a que todos nos julgamos com direito.
    Um texto agradável

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    Respostas
    1. Olá, Luís. Um sonho apenas, a realização e a felicidade. Obrigado e um abraço.

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"Seja bem vindo quem vier por bem."