Páginas

17 março 2012

Missão

        Estou doente, febre variável (nem tifóide, nem amarela, reumática muito menos), umas vezes quarenta, outras trinta e nove, umas vezes baixa, outras sobe, o apetite não é o mesmo, tenho mais sede do que fome, dói só de pensar comer, ponho-me a pé, cabeça turva, arrepio na espinha, visto-me, são quatro horas, escuro ainda, me esforço e tomo uma xícara de leite, saco vazio não se aguenta em pé, água no rosto, acorda, acorda, Teo, logo, logo o doutor André te passa receita, melhoras, oh, e é tudo bem de novo.

        Morrer, me convenço, homem forte não morre, tomba bactéria, vírus, verga os germes, só o tempo verga as costas, quebra forças, vai!, se de casa saíres agora serás o primeiro de certeza, atendido de pronto, pelo doutor André às oito e meia, e saio, agonizante, me tremendo, chego no posto ninguém presente, a não ser essas muriçocas impertinentes voando tontas na minha frente, giram, pousam, se escondem, mordem, chupam-me o sangue, tomara, tomara essa febre que me toma as adoeça, Ah, Deus, incômodas, quase me vencem, me levam dos nervos a resistência, mas sorte têm elas, a febre me traz desânimo, um sem querer forte e dominante, tenho lá vontade de partir pro tapa!, me deixem!, e o tempo se arrasta...

        Dez minutos, quinze, trinta, desperta temerosa claridade, chilreios nas árvores, bom dia! Bom dia, mãe natureza, sorris linda e deslumbrante, Sol laranja ornamento, beleza, só minha paciência se esvai em sobranceiro tempo, havia trazido um manancial de fazer inveja de histórias e causos, só companhia me falha e me tomo de estranheza e medo, meu Deus, só eu, só eu nesse mundo, entre tanta gente, estou doente... Tão mal me advém esse pensamento, me vem mais reforçado desespero, ninguém chega, ninguém chega, constato... Tristeza...

        E o centro de saúde abre, por dentro, coisa que não entendo, me deixam nessa angústia por horas, espera tremenda, e eles tomando café, quente, bem quente, cadeira confortável, doce aconchego, e aí eu falo, consulta com o doutor André, eles não riem, mero acaso, seria demasiado atrevimento, mas num sopapo soltam, o doutor hoje não vem, estava na porta, o senhor não leu?, eu não, eu não, lá cheguei quase dormindo, buscando só alento, e de gana solta levanto o tom, penso alto, puta que pariu!, desculpe, senhor, diz o magrelo atendente, nada podemos fazer, Ai, não?, não, seus filhos da puta, e se eu morrer?

        Vozinha pertinente, fosses bom, pobre terreno, diz santo Pedro, tinhas prometido céu, não mau inferno. Tenho tempo? Tenho, meu santo, tempo que corrija meu comportamento?

        Sabia, a casualidade tem cabimento, esse revólver de segunda, comprado ontem mesmo no cara da Intendente, tem bala, não atira pra trás, é pra frente e mata muito cabra com jeito insolente...


        Puxo o gatilho... É um repente...

        Se matei os cabras? Claro! Agora, olha, vou preso, co essa febre não sobreviveria mesmo.

        Missão pobre essa, a de melhorar o atendimento.

        

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Seja bem vindo quem vier por bem."