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14 abril 2012

Quem se contenta (de Italo Calvino)


        Era uma vez um país onde era tudo proibido.
        Ora como a única coisa não proibida era o jogo do mata, os súbditos reuniam-se em certos campos que ficavam por detrás do país e aí, jogando ao mata, passavam os dias.
        E como as proibições vieram umas de cada vez, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que achasse mal ou não soubesse adaptar-se.
        Passaram os anos. Um dia os notáveis do país viram que já não havia razão para que tudo fosse proibido e mandaram arautos avisar os súbditos de que podiam fazer o que queriam.
        Os arautos foram aos locais onde costumavam reunir-se os súbditos.
        - Saibam – anunciaram – que já nada é proibido.
        Eles continuaram a jogar ao mata.
        - Não perceberam – insistiram os arautos. – São livres de fazerem o que quiserem.
        - Muito bem – responderam os súbditos. – Nós jogamos ao mata.
        Os arautos bem se afadigaram a recordar-lhes todas as ocupações boas e úteis que haviam tido no passado e poderiam ter novamente de agora em diante. Mas eles não ligavam e continuavam a jogar, um lance a seguir ao outro, sem pararem sequer  para ganhar fôlego.
        Vendo que as tentativas eram vãs, os arautos foram dizê-lo aos condestáveis.
        - Resolve-se bem – disseram os condestáveis. – Proibimos o jogo do mata.
        Foi então que o povo fez a revolução e os matou a todos.
        Depois, sem perder tempo, tornou a jogar ao mata. 

Um comentário:

  1. Não há nada que segure um povo descontente! O problema é faze-lo sentir-se assim.
    Muito divertido!

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"Seja bem vindo quem vier por bem."