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01 julho 2013

Meu presente é minha neguinha

      Sentei no sofá, confortável, preguiçoso. Sofás são um instrumento do ócio. Como que o recinto de jogo de ignominiosa falta. Sejamos diretos, sofás dão sono. Meu pai veio com o catarpácio de fotos, álbuns pequenos e grandes, encardidos e poeirentos, fascinantes qual máquina do tempo. Viajar no tempo- quem nunca?...
      Descubro-me bebê, azul turquesa, robusto, meio de perfil, rosto perdido entre a curiosidade dos primeiros olhares e o corte das vestes mundanas. Sou eu ali, curioso todo, dengoso... Adoro colo.
      Não fosse minha neguinha voltava no tempo. E ficava. Juro que ficava. Meu mundo desses outros tempos era maior e mais imenso. Hiperbólico obsessivo. Intangível. E tinha na falta de senso um senso próprio- era sublime e não caótico. Perfeito.
      Mas perdi a fé faz tempo no desígnio das coisas. Compreendê-las- apego tremendo, redução equivocada. O que há para discernir numa foto como essa senão o nada? O nada é o segredo. Nada. Um nada que é tudo, que se afirma, e se completa. Um nada que se sabe nada. Que se refuta, que se confrange, miserável.
      Minha foto de seis meses não tem nada. Não tem meu rosto sequer. Mas pai afirma: "Não tem engano, é tu." Pai deve saber o que fala.
      Recosto de novo minha dorsal doída dos anos, coloco os óculos... Ai, sensibilidade exasperante. Viagem repentina. Não fosse minha neguinha voltava no tempo. E ficava. Juro que ficava. Dormia e refastelava-me em colos doces, dos mais altos tirava o puro gozo, a vertigem desmesurada, gozo bruto, mal lapidado, deixava de andar, só gatinhava.
      Guardei as fotos instantes depois, qual passagens inválidas, tickets usados. Viagem de época, linda, foi linda, adormecesse eu e me maravilhava, certo era que o sonhasse, mas agora minha viagem é outra- eu e minha nega, Presente! Bye, bye, passado!







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