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21 junho 2014

O Mostrengo (parte 3)

E como a dor não amanha
Rápido partiu pra cima
Cheio de raiva tamanha
Que entortou até minha rima

A Lua, esperta, correu
Perdeu-se longe no céu
Ficou escuro que nem breu
Levanto a ponta do véu:

Depois de socos e chutes
Acertando o frio espaço
O cuco disse: "me escutes
Pra evitar maior embaraço

Saiba você, bom amigo
Não é fácil minha vida
Mas eu tenho pra comigo
Não me leva de vencida

A coisa que eu muito quero
Sofra o tanto que sofrer
Será minha, assim espero
Luto até desfalecer

Ah, diz-me, que amor é esse
Que te deixa impaciente
Que vai contra o interesse
De ser feliz de repente?

Fala muito ela, sei bem
Coisas que ninguém espera
Coisas de além e de aquém
De outro mundo e outra esfera

Eu sei bem, não me interessa
Das falas a maior parte
Mas de escutar não há pressa
O bem escutar é uma arte

E se serve pros meus fins
Boto nisso todo o empenho
Além da seda os cetins
Além das artes o engenho

Vê se prestas atenção, homem
Tem aqui espíritos tais
Sonhos dos outros comem
São dados a maus finais

A teu favor não são todos
Não são de favor nenhum
Controla teus próprios modos
Não terás problema algum

Fraudaram-se teus anseios
Oh, Deus, quão triste fado!
Luta por todos os meios
Fiques não desalentado

Procura a lebre Ceição
Para tudo tem receita
Seja mal do coração
Ou qualquer outra maleita"

"E onde posso eu encontrá-la?"
O Mostrengo perguntou
"Fica pra lá de Zé Bala
Onde o mundo se acabou

Só pegar esse caminho
O negócio é ir reto
Temas não de ires sozinho
É seguro meu prospecto

Tem leão, tigre, hiena
E cobra de todo o jeito
Mas o cuco Adão Antena
Dizes: é amigo do peito

Muito bem ele me quer
E ficará satisfeito
Se ao voltar eu lhe disser
Que não me faltou respeito

Fez-se o Mostrengo à estrada
Com passo desanimado
A cara toda fechada
Mas por dentro em alto brado

"Que destino se avizinha?
Por amor me acho perdido
Deus, que triste a sina minha
Sou corpo e alma ferido

Sofro por quem nada sei
E bom seria o soubesse
Novas dela nunca achei
O que foi e o que acontece"

Tss, tss, uma sucuri
No caminho se atravessa
"Deixe ver se eu entendi
Você quer que caia nessa?

Amigo do amigo cuco
Querido, mui respeitado
Parente do velho Truco
Irmão de Zeca Diado

Tss, tss, que papo bonito!
E não é que gostei de fato?!
Por favor, me passe escrito
Essa peça de um só ato

Tss, tss, senhora Antônia!"
E veio uma lesma viscosa
"Trate com Dona Sônia
História tão caprichosa

O rapaz aí não enxerga
Mas a tudo põe palavra
Seu juízo tudo alberga
O mundo é de sua lavra"

E riu por demais dito isso
"Olhe a sorte, meu rapaz
Tenho agora compromisso
Só por isso o deixo em paz

Corra sem pra trás olhar
Não pretendo me indispor
Mas se acaso aqui voltar
Não garanto o mesmo humor"

Eita, mostrengo atleta
Deu de correr que nem tolo
Fez uma volta completa
Trombou na cobra qual bolo

"Tss, tss, danado é!
Quando está de boa a gente
Sempre aparece um mané
Do jeito meio insolente

Não tivesse o casamento
Findava tanta tontice
Levantava um pé de vento
E foi-se o mostrengo, ouvisse?

Ouviu bem, pois está claro
Não fosse ele todo ouvido
Disse: corro e mais não paro
É jurado e prometido

(continua)




Para ler os dois posts anteriores de O Mostrengo, acesse respectivamente:












Um comentário:

  1. Bonita poesia e cheia de vida e força de viver.
    Existe um poeta que escreveu:

    «Se não fosse esta força
    Que nem sei de onde me vem
    Não comia,não bebia
    Nem falava com ninguém»

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"Seja bem vindo quem vier por bem."