Meu tabuleiro de jogo não é um tabuleiro
quadrilátero, de casas brancas e negras, onde peões e cavalos se digladiam. Meu
tabuleiro de jogo tem cento e dez metros por setenta e cinco metros, e é
dividido no meio por uma linha paralela às linhas de fundo. No meio tem também
uma circunferência, e nas extremidades duas traves, uma de cada lado, com cerca
de dois metros e meio de altura por sete metros e meio de largura, e o dado…
Espere, uma bola faz a vez de dado, e nos joga e lança segundo sua sorte,
segundo a imprevisibilidade de seus movimentos.
Nós somos onze de cada lado. Soldados,
lutadores. Às vezes casados contra solteiros, às vezes nações contra nações. E
o nosso êxtase, verdadeiro, infantil, é colocar a bola na rede, escutar o grito
de gol, que nem precisa vir das bancadas. Precisa, e vem, de dentro de nós
mesmos: “Eu fiz gol! Eu fiz gol!”.
Vibramos, de forma tão intensa, de uma
felicidade tão genuína, que fica difícil para um estranho, imagine um E.T.,
acreditar que tal se deva a uma bola no gol, a um acerto na rede depois de um
drible no goleiro, depois de um chute de placa, depois de um chute que pegou na
veia, depois de um sem-pulo…
O E.T. não compreenderia. Aliás, nem nós
compreendemos. E não compreendemos porque não tem o que compreender. A paixão
não se compreende, não se dá a entender. Como entender minha ânsia de menino de
fazer um gol no Maradona- um rapaz insolente da minha rua, que vivia fazendo
bullying comigo? Como entender o caráter decisivo no meu bem-estar, na minha
alegria, que tinha converter esse penalty diante do Maradona? Como entender que
esse penalty era para mim tão decisivo quanto o de uma final? Como?
Não sei. Ninguém sabe. Mas muitos
experimentam-no. Os jogadores, profissionais ou amadores. Imagino que sintam o
mesmo que eu: a visão turva da adrenalina, o peso do mundo, uma vontade, um
desejo possante, por vezes furioso… O mesmo que eu sentia numa manhã dos anos
noventa, grama molhada, sol pertinente, o Maradona trocista embaixo do gol.
Imagino que o mesmo que eu quando corri para a bola, bati, e ela, caprichosa,
bateu no pé da trave… E entrou… A bola entrou! Imagino que o mesmo que eu
quando fiz gol no Maradona. O meu gol.
Estou sentado no Mineirão. Brasileiros e
chilenos preparam-se para bater os penaltys pelas oitavas. Sei que as emoções
são universais. Todo mundo sente alegria, prazer, ansiedade… E eu espero que o
Júlio César não seja para nenhum chileno o meu Maradona.
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