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16 novembro 2014

Domingo

           É domingo. Dia lindo! Manhã cedo tem a missa. Minha ligação ao divino. Vejo os amigos, descansados, bem vestidos. João José comprou fraque, azul escuro, corte fino. Gravata listrada, nó apertadinho. Cuidado, João, com esse arrocho das goelas. Transpira suíno. O calor nordestino não ajuda, né, meu filho? Imagino... É o estilo de Dona Carminda. Tião Tim veio de bicicleta. Nova. Quer dizer, semi-nova. Vi um rasgozinho na cobertura do selim. Ganhou de seu primo. Por serviços prestados, disse. Sei... Não, não é viado o pobre Tim Tim. É mentiroso, só isso. Coisa de família. O pai dele é Seu Leandro Promessa. Conhecido. Nenhuma dá por cumprida. Mas não condeno. Isso julgará o altíssimo. Ah, estava esquecendo... Pedro comprou carro novo. 5 portas. 1600 de cilindrada. 0 aos 100 em 7 segundos. Uma pena. Pra ele servia um jumento. Pede licença para tudo. Vou dobrar, amigo. Dá sinal uns trinta metros antes. Arranha a marcha. Difícil passar de terceira, quanto mais uma quarta. Eu rio. Escondido, claro. Hoje em dia as pessoas são muito sensíveis. Qualquer coisa se aborrecem. O mundo está perdido.
Daqui vou para casa. Meus vizinhos já devem ter iniciado o set. Prevejo funk ostentação misturado a um brega rasgado. Decibéis alegres, inconformados. A música é assim: odeia limites. Minha mulher luta com um frango assado. Morto, continua dando luta. Eu farei um outro workshop rápido. É um hábito sadio, ensinar o que não sei bem. Disfarço. E um dia aprendo. Para ela fica ótimo. Só eu sei que aquele corte das coxas não é lá muito profissional. Deixo a pobre da galinha meio desfigurada. Arraso suas ancas.
A família toda virá hoje. É domingo. Meu pai colocará mil e um defeitos na construção da casa. Olha como eles assentaram esse azulejo! Eu aceno a cabeça. Verdade. Esses quadrados deveriam encaixar uns nos outros, de tal forma que de todas as vezes fossem quadrados, não umas meias pontas de estrelas perdidas no chão de minha casa. Sacanagem! Odeio pensar que paguei por um serviço porco.
Fico aborrecido. Carlinha, minha filha, na correria com os primos rasga a cabeça. Dá vontade de costurar aqui mesmo. Não. Chamarei um táxi. “Pede a Pedro, Carlos. É mais rápido. E ele é tão teu amigo”, aconselham. Pede a Pedro. Eu não. Mas alguém faz o pedido. Pedro chega à minha casa pouco depois. Eu odeio. Odeio quando necessito. Ai, o que se passa por causa de um filho.
No hospital, falta atendimento. A menina não vai morrer, eu sei, mas está sofrendo. E os gemidos dela e da mãe empenam meus ouvidos. A cara pseudo-serviçal de Pedro não ajuda.
É domingo. Dia lindo! Chego a casa já noite. Requento o que sobrou do frango assado. “Amor, coloque o despertador para as 5 horas. Não esqueça que amanhã é segunda. E esta semana é você que leva Carlinha na escola.”
Enfim...

          

Um comentário:

  1. Domingo um dia diferente para muitas pessoas. Para muitas outras continua a ser um dia de trabalho. Hoje muitas pessoas trabalham aos Domingos.
    Gosto dos Domingos porque geralmente juntamos a família e há sempre tempo para falarmos de nós e das nossas preocupações.

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"Seja bem vindo quem vier por bem."