Comprei
meu livro, em 2x no cartão. Prestações suaves. E ainda escrevi dedicatória.
Ora, para quem?! Para mim. Dei beijo, abraço, congratulei-me pela amizade,
agradeci, e entreguei, ali mesmo, prontinho, em receptoras mãos, ansiosas,
felizes, amigas... Pudessem apertar-me-iam, apertar-me-iam, apertar-me-iam...
Aff! Custoso respirar.
Mas
nada disso. Minhas mãos, nas mãos daquele outro, não fizeram nada. Não me
amarfanharam, não me ambicionaram, não me quiseram, e nem eu vendi, nem
escrevi, nem autografei livro nenhum. Mas as mãos... Ah, as mãos... Essas, não
me querendo, de todo não me ignoram. Teimam em diminuir-me. Contra elas nada
posso. Como se outro corpo fossem em meu corpo. Dois. Uma e outra têm vida
própria.
Começou
há uns três meses. Meu dedo anelar esquerdo enrijecia, sem mais outra coisa. Num
instante era pétreo, duro, e o mais estranho, indicador. Espasmava quatro a
cinco vezes, rodopiava, tudo involuntariamente, e terminava apontando, durante
uns dois a três segundos, alguém ou alguma coisa, teimoso, vestido de uma força
que desconhecia em mim mesmo.
Na
maioria das vezes, essa manifestação ocorria ao anoitecer. Súbita e
inesperadamente. Com dois a três dias já me acostumara a arranjar atalhos.
Fingia. Apontava e improvisava a fala. Cheguei a rir do inusitado. Mas pouco
depois, aconteceu o mesmo com o anelar direito. E de uma forma ainda mais
vigorosa. Esse girava sobre si mesmo, se esticava como se estivesse se
exorcizando, seis vezes, e desfalecia. Por uns minutos, restava completamente
sem vida.
Em
poucas semanas, meus dedos todos se animaram. Depois dos anelares, os
indicadores, depois os polegares, os mindinhos, os médios... As mesmas crises.
Obviamente, estaria doente. Uma doença rara, espasmódica. Óssea ou nervosa. Mas
o horror e a timidez impediam-me de procurar ajuda. Que auxílio haveria para
aquele cujas mãos lhe escapavam? Sim, as duas mãos eram nesse tempo possessas,
fora de si, arbitrárias, não obedeciam, de forma alguma, a nível superior.
Minha mente, eu, nada podíamos. As cartas, mesmo as cartas, que escrevia a
Lourdes já não eram minhas. Começaram colocando ponto e vírgula no lugar de
vírgula, coisa simples; depois, banalizavam substantivos e adjetivos. Em vez de
amor, diziam “te odeio”, em vez de linda, obesa ou gorda, em vez de saudade,
adeus. A ducha e as roupas eram quando e as que queriam, e em certos dias, mais
maldosas, de vontade delas nada comia.
E
assim emagreci nove quilos em seis semanas. Eu, que já era magro, me afigurava
cada vez mais esquálido. Imaginava, em desatino, conversas grotescas entre
minhas mãos e eu.
“Fraco.
Você é um fraco. Um pecador. Veja sua pose autoritária. Sua empáfia e perfídia.
Sua altivez. Basta!”, gritavam.
E
esse "basta" redondo, pomposo, ecoava em mim.
“Mas
eu o que vos fiz? Nunca, nem por uma vez, vos humilhei, vos submeti a trabalhos
e esforços sobremaneira penosos... Sempre cuidei que fosseis bem tratadas,
limpas, descansadas. Vós é que, agora, me submeteis à maior das vergonhas.”
Sim,
a maior das vergonhas. Minhas mãos, agora, faziam a lida de casa. Limpavam o
pó, espanavam, penduravam a roupa no varal, engomavam, cozinhavam, varriam...
Não eram mais mãos de homem.
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