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24 abril 2017

A pesca (retextualização de "A pesca", de Affonso Romano de Sant´Anna)

É tarde. Devem ser catorze horas. O Sol corre na sua curva descendente. O homem, de feições duras e tristes, solitário, permanece estático, os olhos perdidos no azul da água, os lábios retorcidos, paciente. No que pensará ele?
Ao seu lado, firme na areia, uma vara tão fria quanto ele, tão resoluta, decidida - ao mesmo tempo, tão sem vida. Vida - esse sopro que anima, que exalta e pulula dentro das gentes.
O anzol é igual. Fechado, quieto, introspetivo. A agulha, cinza, elegante, altiva. O que quererão eles?
A água marulha, leve, suave, divina. Espuma. O tempo é resumido, estático, congelado. O dia, perfeito. O silêncio, absoluto, total, inquebrável. Mas, de repente, o puxão, o arranco, o rasgo. De repente, acelerado, sôfrego, aterrorizado, coração bate e não bate... De repente, o outro mundo, o contato, o segundo, a morte. De repente, "pela boca morre o peixe". Agora entendo. E é tarde.




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