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25 julho 2012

Queimada

     Antes de eu morrer, meu pai me disse, "não era pra ser assim". Pois, não era... Mas foi... Pegou minha mão pálida, meio fria, meio sem vida, afagou-a e beijou. 
     Minha mãe rezou muitos Pai-Nossos e Avé-Marias, manhãs, tardes, noites, Pai-Nossos, Avé-Marias e outras orações que eu nem sei. Mas não adiantou. Mesmo o seu Deus, que devia ser mais clemente e piedoso que o meu, lhe mereceu muitas mais rezas e promessas, não intercedeu por mim. Nem me salvou. 
     Meus tios e meus primos iam jantar lá em casa, o tio Raul levava um vinho, maduro, Mouchão, a seu gosto, as tias Rosa e Sandra ajudavam mãe na cozinha e os primos, a Ana, o Lucas, o Andrezinho, a Rita, o Luisinho, o Felipe, jogavam queimada em volta da casa, eu ouvia, oh, gritaria que era!, entre um cochicho e outro de pai e tio na sala de estar, tenho tanta pena, João, tenho tanta pena, imaginava seus traços graves, chorosos e uma lágrima me pendia dos olhos, gorda e corajosa, sulcando meu rosto até os lábios, salgada e definitiva... Não era pra ser assim...



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"Seja bem vindo quem vier por bem."