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30 janeiro 2012

Fábula da Lagartixa do Rabo de Prata



"Lagartixa, lagartixa
Do rabo de prata,
Acaso pensas que não sei?..."
Falou o escorpião danado,
Sobranceiro e inchado,
Levantando suspeita,
A modos de criar rixa.


"Oh, assim tiras vantagem.
A príncipio, Matusalém, só tu
Sabes do que falas. Meio
Que meio injusto, não achas?"
Brincou Cibela, a lagartixa
Do rabo de prata,
Mas cara seria sua graça.


"Oh, como és virtuosa,
minha querida, assaz esperta,
E em tudo, verdadeira conotação
Da palavra, graciosa,
Mas temo, sou franco, 
Pelo teu sorriso e alegria.
De alegre poucos têm tanto
E, em saber de teu segredo,
Zé Hipólito morreria.
Oh, terrível seria o pranto!"

"Segredo? Oh, me conta,
Por favor, isso te rogo.
Não que seja curiosa,
Nada disso, só a curiosidade
Uma sensação me desperta,
A da coçeira no couro.
Alergia, pode ser, 
Estou em crer devia ir ao médico.
Tu, Matusalém, que me aconselhas?"

Ironia fina, de puro recorte,
Assim ela avança,
"En garde",
E se esquiva
Desse veneno-florete.
Mas eis que o adversário
Teima,
Como teimosos são seus ditos.

"Não estivesse noivo, confesso,
Todo a ti me entregaria, pois,
À beleza do rosto se junta
A elevação inolvidável de espírito
E em frente de problemas destreza tal
Que me julgo dos seres pobre resquício
De tão vulgar e pequeno. Como te invejo,
Astuciosa lagartixa, de rabo de prata vestida!
Contra meu mísero ego investes
E nele fazes tenaz ferida, e dói-me,
Dói-me que o tempo nem a vida
Me tragam a tua sabedoria,
Maravilhosa eloquência.
 Faz-me
 teu escravo, assim teu 
Senso o permita."

"Deixemo-nos de coisas, 
Cumprimentos devidos dados,
Fala, que pretendes, vil soldado?"

"Oh, querida, assim me ofendes!
Não existe em meus modos
Pretensão alguma. Ajo por bem, 
Não mal me julgues. Sou apenas
De Zé Hipólito receoso, 
Da cólera como sua doença. 
Sabes-lo, bem sei, amoroso,
Oh, mas quando o souber,
Muito me assusta, não o será de todo.

"'Quando o souber', falas,
E mais nada adiantas.
Fala de uma vez!
Não é de meu gosto
Meios discursos ou meias palavras
E tomo até tais modos
Por modos de covarde."

"Ah, pois que assim me ofendes,
Lagartixa safada!
E pois então to contarei.
Sabes que ainda que te pareça
Tonto, eu tonto não me sei,
E observando uns e outros
Penso até 'me saio bem'.
Mas isso pra conversa não interessa,
Interessa antes teu pouco pudor
E desrazoável confiança.
Achavas, por certo, ninguém 
Descobriria por Constâncio teu ardor...
Oh, ingenuidade, quase insana..."

Pavor não, que pavor é medo,
Mas um pouquinho de receio,
Mais pequeno, como filhote
Do medo medo,
Despontou em pequena cabeça
Da lagartixa do rabo de prata
E antes mesmo que ele mais falasse:

"Perspicaz, noto.
Não tenho, contudo, forma
Que teu silêncio pague
E em sendo honesta te digo,
O tivesse e não pagava.."

"Ah, lagartixa, te enganas.
Pra mim só outrora valeu a grana,
Agora outros valores me encantam,
Inda pra mais tomado de tua sensualidade,
E esses os pagarias com facilidade..."

E ela o interrompe num instante,
Feroz e brava...

"Oh, assim não fiques, Cibela,
Pra mim, só pra mim,
Por uma noite, só por uma noite,
Abana o rabo, abana o rabo!
E Zé Hipólito nada saberá,
Zé Hipólito não saberá nada,
O prometo,
É dito e jurado."

E eu mais não conto,
A não ser que Zé Hipólito
Morreu ontem,
Caracol e com dois cornos.


4 comentários:

  1. muito bom Côvo..
    eita lagartixinha...
    beijos..

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    1. Oi, Ingrid! Obrigado. Danada, né? Mas o Matusalém também... Rs Um abraço.

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  2. Essa lagartixa devia se chamar Capitu e o caracol, Bentinho. rs

    Massa como (quase rsrs) tudo que tu escreve!

    bj
    magri! <3

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    1. Oia, a pititinha safadinha. O engraçado é que nunca li isso da Capitu e do Bentinho. Massa? Minha mulher que me inspira. ;)
      Magri, pititxa.

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"Seja bem vindo quem vier por bem."