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17 janeiro 2012

O cachecol da pomba Petronila (de Ricardo Alberty)

«A  Pomba Petronila acordou estremunhada.

Há um tempo para cá dormia pouco e mal, porque era muito sensível e os vizinhos começavam a arrulhar logo de manhã, naquele pombal novo, de ninhos todos iguais, mandado construir pela Columbófila.

Ainda não se habituara àquele novo modo de vida, porque só há um ano casara com o pombo Aristides e viera para ali morar.

Mas não era só por isso que a pomba Petronila andava nervosa.

Andava nervosa, porque tinha um sonho e ainda não conseguira realizá-lo.

O sonho da pomba Petronila era ter um cachecol, mas um cachecol moderno, de cor clara e de bom pêlo, para sair à rua no Inverno, quando ia de manhã à praça ou passeava à tarde pelo Chiado com as amigas pombas da sua criação.

O dinheiro não chega para nada, mas a pomba Petronila tinha jurado que não passava do Natal sem comprar o seu cachecol.

Por isso saltou logo do ninho, espreguiçou-se, estendeu a pata e começou a vestir-se sem fazer barulho, para não acordar a ninhada de borrachinhos. Tinha quatro. Calçou as meias, atou as fivelas dos sapatos, vestiu um vestido prático, e foi pôr o chapéu ao espelho. Agarrou na gabardina, viu se levava na mala o lenço, o dinheiro e a caixa de pó de arroz, e preparava-se para levantar voo.

− Onde vais Petronila? − perguntou o pombo Aristides, que estava ainda no quente, dando voltas no ninho, um olho fechado, o outro aberto.

− Vou comprar o meu cachecol. Já não é sem tempo, e não passa de hoje. Quero estreá-lo pelo Natal.

− Não pode ser! Bem sabes que temos muita despesa: as prendas para os garotos, a renda da casa, a Festa do Ano Bom. Isto para não falar nas gorgetas ao guarda-nocturno, aos varredores da Câmara e ao pombo-correio.

− Não pode ser? − perguntou muito nervosa a pomba Petronila. − Era o que faltava! Há quanto tempo te ando a falar nisso? Depois de um ano inteiro de trabalho, não havia de ter o meu luxo? Eu, que não gasto um bago de milho mal gasto!

O pombo Aristides não gostava que o contrariassem, e gritou: − Não, não, e não, já disse!

Saltou do ninho em pijama, e dirigiu-se à casa de banho.

A pomba Petronila foi atrás dele e gemeu: − Não foi para isto que eu casei contigo!... É bem certo o ditado: casa de pombos, casa de tombos… E desatou a chorar: − Sou uma escrava, uma pomba sem fel, e agora, enquanto as outras estreiam vestidos e casacos novos, eu hei-de andar para aqui como uma pobre de Cristo? Vai ao Largo do Camões, ao Jardim da Estrela, e pergunta aos outros pombos se tratam assim as pombas deles.

O pombo Aristides, que já estava a fazer a barba, porque tinha de ir para o Ministério, no Terreiro do Paço, voltou-se de repente, fez um lenho no bico, e gritou-lhe fora de si: − Não me irrites!

− Irritar? E a pomba Petronila começou a insultá-lo entre lágrimas: − Pombo mariola! Borracho! Não o tratava assim porque o pombo Aristides pertencesse à raça de pombos mariolas ou porque fosse ainda borracho na idade, mas porque ele, às vezes, voltava ao pombal fora de horas e com um grãozinho na asa.

O pombo Aristides, que tinha um coração de pomba, e não podia ver chorar ninguém, começou a arrulhar em volta da pomba Petronila, fazendo-lhe muitas festas.

− E como era o cachecol que tu querias para estrear pelo Natal? − perguntou.

− Como é que havia de ser? − respondeu a pomba Petronila, limpando uma lágrima à ponta da asa. − De cor clara e de bom pêlo, que é o que está na moda.

− Mas foi justamente assim que eu comprei um anteontem nos Armazéns do Chiado, para te oferecer no dia de Natal, minha pombinha!

− Isso é verdade? − perguntou a pomba Petronila, muito contente.

− Tão verdade como eu chamar-me Aristides.

− Meu pombinho! − exclamou − a pomba Petronila. E, abraçando-se, começaram os dois a arrulhar de satisfação.

Arrulharam, arrulharam, tanto, tanto, que acabaram por acordar os quatro borrachinhos, que de bico aberto, exigiram logo o pequeno-almoço.  

E é que se a pomba Petronila não acode, nunca mais se calavam!...» 

                                                                                                                                  Ricardo Alberty

4 comentários:

  1. Gostei da fábula.Cada um poderá concluir o que quiser, mas com quatro borrachinhos é demais.
    As pombas, e as rolas apenas têm duas crias.

    Se aqui na história são muitos talvez se deva ao numero de desempregados que não pára de crescer... ..

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    1. Oi, Luís. Também gosto muito do conto e por isso o postei, não sabendo, no entanto, que as pombas têm apenas duas crias. Terá sido propositado ou o autor também desconhecia isso assim como eu? Fica a dúvida. Com o desemprego não me parece que tenha relação, pelo menos não com o de agora, pois foi escrito noutros tempos. O conto faz parte do livro "Este Livro tão Bonito" de 1968. Um abraço.

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  2. Que lindo!!! Coisinha mais gostosa de ler! Os homens são mesmo uns desajeitados até para dar presentes!!! =D

    Adorável!

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    1. Oi, Kiro. Desajeitados ou não, às vezes, fazemos boas surpresas e arrulhamos muito com a nossa pombinha. Um abraço. :)

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"Seja bem vindo quem vier por bem."