Veio de noite,
Com pressa, gabardina cinzenta,
Falou "Me passa a receita,
Logo logo vem outro cometa."
Ficou bravo, minha culpa,
"Sei não que receita é essa."
Oh, diabo, personagem astuta,
Você fale o que fale
Não arreda, estaca feito mula.
"Lá no nosso planeta
Tem homem de tudo que é jeito,
Mal amanhado, feio, perneta,
Só um está em falta,
Esse homem que é burro."
"Ah, entendi, desculpe.
O genoma do cara é bem fácil,
Esqueçam as fórmulas complicadas,
Só tragam do fardo a palha,
Orelhas grandes, doidas risadas,
O entendimento, vocês vão ver,
Logo logo se resume a nada,
É só entenderem que nada sabem
E tudo que sabem é nada."
O ser esverdeado, doutro sistema,
Me encarou surpreso,
"Oh! Só isso? Que agradável
Descoberta!"
E eu meio reticente, a medo,
Lhe disse:
"Falta mais coisa na proveta
Pra nascer um burro por excelência,
Mas esse segredo não vendo,
É culinária de requintada mesa."
Insistiu o viajante, pulseira
De ouro me deu, "Preciso, meu senhor,
Levar novidades quanto antes.
Em nossa terra prometida
Tem por demais de inteligentes.
A gente tenta tirar vantagem
E sempre se ferra, nunca é diferente.
Dou-lhe duas passagens,
Para você e sua companhia,
Uma viagem ao redor da terra,
Três noites e almoço incluído."
E logo se me arrebitaram as orelhas.
Oh, quanta bondade!
Se lá nunca houve burrice
Este será seu primeiro burro na verdade.
"Pra fazer burrice que só o diabo..."
Disse-lhe com cuidado,
"Se juntem dezenas de seres
De gravata e de fraque
Numa panela bem aprumada,
Na hora de levar ao lume
Chamem à panela de Senado,
E se ainda assim nada houver
Apelem à radicalidade,
A esses ingredientes juntem um outro..."
E nesse ponto fiz suspense...
Mais duas passagens ele me prometeu.
Arregacei as mangas,
Fiz o sinal da cruz,
E sem escrúpulo ou mágoa
Lhe disse:
"Aos políticos junte
Um político padre."
E ele riu,
Tanto era em seu entender
O besteiral,
E saiu.
"Até logo, compadre, finja
Que nada disse e nada viu.
Eu por mim, tenho a certeza,
Minha viagem aqui de nada serviu."
Mentira pegada.
Umas semanas mais tarde
Cresceram duas orelhas de burro no céu
E falou-se no noticiário:
"Uma sonda espacial descobriu
Em Marte dois cascos de asno."
E dizem os cientistas
Isso não foi obra de Deus.
Adorei a crítica. Muito criativo.
ResponderExcluirObrigado, Patrícia. Um abraço.
ResponderExcluir