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04 abril 2012

Eu, póstumo ou depois de morrer

        Morri, e já não sou eu quem escreve, é minh' alma; minh´alma sente e tem dentes, minh'alma sofre, não mente, e, tristeza, se amargura e desespera, não tem quem a encomende, minh'alma portuguesa, pois, não é que me querem sepultar sem ter do padre reza, sem do sacerdote a bênção?, tirania, meu Deus, essa religião moderna que aos nobres sacramentos não se achega, e eu, assim me recuso morrer, se enganam, escolham outro pra defunto, quero pra morrer impor condição e minhas condições dito, ou me rezam com afinco, padres, freis e bispos ou eu teimo e não me dou por ido, morrer por morrer, Dio mio, tem de ser com estilo, e no meu funeral é norma, todo mundo, se não sincero, ao menos finja que chora, e o preto é indispensável, até na interior vestimenta, eu que nem imagine em meu enterro alguém de vermelha calcinha!, oh, seria demais!, tal coisa meu coração não aguentaria... 
        Agora nós, minh'alma, te vais contente?, inquiro hesitante, alma é cousa respeitável e minh´alma é de tal recato que chega dá medo, vejam bem, todos estes anos a miserável não teve sequer pra mim um tempo, ocupada que era, morava algures entre a consciência e o pensamento, dizem uns boa vizinha, outros má advogada, pois não é que minh'alma portuguesa queria mandar em mim por tudo e por nada?, Ah, ousadia, a vida era minha, alma safada, basta!




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"Seja bem vindo quem vier por bem."