Até os cem, visse, me ficou ali martelando na cabeça. Até os cem pode não ser minha vida toda. Tá vendo, ela já tá colocando limite. Imagina que eu chego nos cento e um. Eu me sinto com força e coragem pra isso. Vou passar dos cem fácil. O que ela vai fazer eu não sei, mas só uma coisa eu imagino: no dia seguinte a eu ter completado cem anos ela chama um táxi, coloca minhas coisas na bagageira, roupa, bengala, saco de lixo (velho carrega sempre consigo um saco de lixo, é velho), “por favor, para o asilo da Imaculada Conceição”.
Engraçado, né, até o taxista, que não tem nada que ver com isso, pisa fundo e vai a mais de cem por hora.
E então foi pra isso, hein, meu Deus? Essa lombar toda fodida de tanto trabalho, tanta hora de chamego, carinho, sim, eu fui um marido carinhoso, tanta paciência, tanto zelo cuidando dos meninos, e é assim?
Não adianta nem reclamar, Deus é justo. Deus sabe o que faz.
Ela ainda faz umas recomendações às assistentes do asilo, o remédio pra dormir, a insulina, o banho, e eu entro nesse novo mundo. Primeiros dias é difícil, lembro a casa, os filhos, lembro ela, mas depois conheço Seu Maurício, Dona Josefa, Seu Paulão, Dona Beatriz (não, pra mim é Beatriz, esquece o dona), a gente se distrai jogando baralho, coisa lenta que só o diabo, Maurício é míope e quase não vê as cartas, Paulão treme por demais, Josefa esquece toda a jogada, nem as cartas que tem na mão ela lembra, mal de Alzheimer, e eu e Beatriz ficamos sorrindo e nos olhando, Oh, velho bobo eu sou, pareço criança, estou apaixonado.
Você sabe que eu acho que enquanto meu coração se apaixonar eu não vou embora? Sério, acredito nisso, e aí penso até em me casar de novo. Com Beatriz. E de bobo que sou lhe pergunto: e você, Bia, vai me aguentar até quando?
Mas Bia não responde, é tímida, e o pior de tudo, não faz promessa.
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