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14 outubro 2012

Lutécia - A Princesa da Solitulândia (teatro)



Ato VI 
 
 Interior. Sala.

Cena I 

Juiz Plínio, Galilei, Dom Sebastian, Lutécia, rei Inácio
  
O juiz Plínio encontra-se no centro, atrás da mesa, Galilei e o rei Inácio estão diante dele, sentados em duas cadeiras, à esquerda, e Dom Sebastian e Lutécia, também sentados, no lado direito. Todos, exceto o juiz, se encontram de costas para a plateia.


Juiz Plínio- (fala vagarosa) Va-mos co-me-çar a au-di-ên-cia... Por fa-vor, a a-cu...

Dom Sebastian- (emendando) ... Sação. (pronunciando “zação”) 

Juiz Plínio- Sim. Isso.

Galilei- (levantando-se) Meritíssimo... (olha a plateia) Todos os presentes... (pomposo) Eis que, o que aqui me traz, é uma causa de suma importância. A menor aqui presente (aponta-a), princesa Lutécia da Solitulândia, infringiu, claramente, reparem bem- claramente- as regras do código penal da Uordilândia...

Dom Sebastian- (levantando-se num repente, enérgico) Protesto, meritíssimo. O código penal da Uordilândia não é aqui aplicável.

Juiz Plínio- Ne-ga-do. (para Galilei) Pros-si-ga.

Dom Sebastian senta-se, inconformado.

Galilei- Como estava dizendo... A menor aqui presente infringiu, (com ênfase) claramente, o disposto no artigo número um, três, dois, cinco, nove, seis, cinco, oito, zero, três, dois, sete, barra nove, nove, zero, cinco, cinco, cinco, três, zero, de maio de dois mil trezentos e trinta e três, que diz o seguinte: todo e qualquer indivíduo, independentemente de raça, tribo, cor, orientação sexual, crença religiosa, idade, etc, etc, está impedido pela resolução número seis, seis, dois, dois, um, nove, três, zero, oito, um, zero, quatro, cinco, nove, alínea a, da constituição da Uordilândia, de se ausentar de seu domicílio sem que o dê a conhecer às autoridades competentes. Neste caso, são os pais. (breve pausa) Tendo em conta que a ré é primária e a benevolência de meu contratante, a acusação pede a condenação mínima de noventa e seis meses. Parece-nos o adequado. (breve pausa) Agora, meritíssimo, se me permite, gostaria de ouvir a testemunha, o rei Inácio. 

Juiz Plínio- Con-ce-di-do.

Galilei- Rei Inácio, por favor. 

O rei Inácio levanta-se e vai sentar-se numa cadeira no centro da sala, virado para a plateia.

Galilei- (tosse) Majestade, não é verdade que no dia dezessete de março passado, a menina Lutécia, vossa filha, se ausentou de vossas terras sem vosso conhecimento?

Rei Inácio- É, sim. 

Galilei- Que horas eram quando ela regressou?

Rei Inácio- Já passava das onze da noite. Estava eu e a rainha a esperando à porta do castelo.

Galilei- Preocupados, imagino.

Rei Inácio- Bastante! Pode imaginar o desespero que é ver uma filha perdida!
A mãe chorava e eu já não cabia em mim de tão nervoso. Pensava já no pior. Linces, leopardos, hienas...

Galilei- Quando voltou o que foi que ela lhe disse?

Rei Inácio- (indignado) Nada! Absolutamente nada! 

Galilei- (faz sinal para que o rei se acalme) Calma. Calma. (pega um livro do chão, junto de sua cadeira) Eu peço agora, meritíssimo, permissão para ler o artigo zero, zero, três, quatro, oito, sete, cinco, cinco, dois, um, um, nove, nove, nove, seis, seis, oito, zero, três, nove, zero, seis, cinco, zero, alínea c, de Fevereiro de dois mil e noventa e sete...

Juiz Plínio- Con-ce-di-do.

Galilei- Obrigado, meritíssimo. (volta-se para a plateia) O artigo diz o seguinte: o menor que se ausente, indevidamente, de sua moradia, sem que dê aos seus progenitores qualquer explicação é, em todos os casos, obrigado pelo artigo “nove vezes fora nada” da resolução das boas práticas infantis da Uordilândia a prestar os devidos esclarecimentos na sua volta, sob pena de se ver privado de chocolate, trufa, mingau, biscoitos, iogurtes, sorvetes, televisão, videogame e computador por um período mínimo de seis meses. (pausa, pousa o livro sobre a sua cadeira) O que de fato aconteceu. (breve pausa) A acusação pede por isso, a condenação da infratora, princesa Lutécia da Solitulândia, a uma pena de noventa e seis meses de privação de liberdades, tais como: (a luz começa a descer lentamente até se extinguir por completo no final da fala), comer bombons, chocolates e afins, tomar sorvetes com ou sem cobertura, sejam eles de manga, banana, abacaxi ou qualquer outro sabor, comer biscoitos com ou sem recheio, de mel, de geleia ou de chocolate ou cacau, tomar ou comer iogurtes líquidos ou cremosos ou com pedaços, assistir televisão, desenhos animados, Teletubbies, Dragon Ball, Transformers, Power Rangers, a cores, a preto e branco, nublados ou embaçados, jogar videogame, seja Hannah Montana, Barbie, Sim´s, Winx, mexer no computador, seja nas fotos, nos vídeos, nas mensagens, no Facebook, com uma mão, com as duas, negras, brancas, amarelas, cinzentas... 

(Trecho)

Um comentário:

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