Pensei escrever

        Esse poema que deixo abaixo já vai na milionésima reedição. Mentira, exagero, sim. Não foram assim tantas as vezes que a ele voltei. E, na verdade, foi agora uma mera casualidade a ele ter voltado. É que às vezes passeio por aí lendo o que num outro tempo escrevi. Quase invariavelmente caio num estado meio depressivo, fico triste, não comigo, mas com o que escrevi. É que quase sempre me acontece não gostar do que houvera escrito. Esse poema abaixo não é uma exceção. Talvez por isso tenha perdido ainda mais uma meia hora o retocando, o maquiando melhor. Um pouco de blush aqui, outro ali, talvez se vista de uma outra sedução e graça.

Pensei escrever
Pensei não escrever

Confronto cruel de vontades

Mas uma vez decidido
Nem sei se escrever 

É isto que agora faço
Letra a letra edificar
Palavras, frases
Em enfadonho teclado

Escrever
Não pode ser isto
E ainda que assim mesmo seja

O que de fútil tenho escrito
Me parece de todo mal feito
Engendrado à revelia
De um Deus maior
Que tudo busca perfeito

Escrever deve ser maior

Eu sei,
Hipotéticos caminhos,
O escritor é de escrita pobre
Criatividade tomada de raquitismo
O escritor se fere diário
Se busca ávido num atalho
O escritor, pobrezinho,
Não é escritor sequer
Traçado papel de seu destino

Mas teimemos
Os dois em uníssono:
Escrever é assim?
É próprio da escrita
Este travo amargo na boca?...
Estes dedos ansiosos loucos?...
Este fazer e não fazer,
O pré e o pós-vazio?

Escrever sabe-me a pouco

Escrever não é doce
Antes o fora
Tampouco consola, vã mentira,
O consolo é fugaz, enganador,
Breve se esvai e expira
E os pobres que de sofrer escrevem
Saibam, pois, não apaga a dor
Esse voluntarioso penar de olhos
Buscando literário esplendor

Escrever não apaga a dor

Por isso não escrevo
E vocês acabam neste momento
De não me ler