Meus natais de antigamente eram promessas
– promessas que se cumpriam. Uma hora, o Papai Noel, esperto, esguio (meu Papai
Noel era obeso e esguio) deixava meu presente embaixo do pinheirinho. Eu apenas
tinha que ser paciente, aguardar... Acredito que minhas ansiedades foram
paridas ali; e não morreram jamais, antes cresceram. Coisa ruim tende a
aumentar.
A noite de Natal era noite de espera, um
desassossego vivo, e eu, meninote, era nessa noite mais inquieto que
passarinho. Bicava tudo: as nozes, o amendoim, o bolo-rei, o pão de ló, a
aletria... Corria para um lado e para outro, inventando motivos – mas não há
motivo para ser ladino – e espiava os quatro cantos de tudo. Em um deles,
quiçá?, se escondesse o velho barbudo. Ah! Um dia ainda o apanho! Não o apanhei
nunca. Esse velho era meu pai, minha mãe, meus avós, minha madrinha, minhas
tias... Eles é que depositavam sorrisos sobre o musgo, coloriam o presépio de
alegria; eles é que cumpriam a promessa do presente, e eles, o maior presente de
todos, agora sei, é que estavam lá.
Meus natais eram promessas de brilho,
promessas de presente, de um qualquer brinquedo e de reunião de toda a gente.
Meus natais eram puros e mágicos e divinos, fantasiosos, como tudo na vida de
um menino. Jogávamos às cartas, dominó, damas... Tudo entremeado a risos e
gracejos, às piadas cotidianas do ano que desfalecia e às predições do que lá
vinha. Com aquele frio, havia de nevar na cidade e, com certeza, no próximo
ano, muito, mas muito choveria. Talvez a vida melhorasse, os chefes fossem
menos duros e rabugentos. Talvez até começassem a gostar dos seus empregos.
Anos mais tarde, eu adolescente, Papai
Noel extinto, uma coisa sempre se predizia nos meus natais: no próximo verão,
lá estaria minha madrinha. Bateria à porta, de surpresa, e minha avó, abrindo,
soltaria um “Oh!Teresa!...” bem emotivo. Que saudades sentia da filha! Todos
concordávamos. E fazíamos por instantes um completo silêncio, quebrado
repentinamente por um “Vai! És tu a jogar”.
Meus natais eram assim. Meu avô, pomposo,
elogiava o bacalhau, caro, grosso; parecia inchado de feliz. Minha avó,
esgotada, cozinhara horas a fio, aconselhava: “bota deste azeite, é rugido”.
Meus tios, todos eles, tinham nessa noite nos olhos um imensurável brilho. Eu
também. Nas ruas, quando saía, todos brilhavam; o brilho dos olhos misturava-se
aos pisca-pisca das luzes de Natal. E a noite, mesmo fria e cinzenta, entre o
chover e o nevar, parecia saída de um conto de encantar.
Meus natais eram felizes. Os da infância,
os da adolescência, os de até há um ano atrás. O último Natal foi feliz. Bebi
um vinho tinto suave, esperando te aprontares. Refastelado na rede, fiz planos
e mais planos, projeções... A vida há de melhorar. Há de sempre melhorar. E se
não melhorar, tanto faz. O que pode melhorar? Sou tão feliz! Terminarei o
mestrado, farei a prova para entrar no doutorado... E todas as noites, as
noites todas, não apenas a do Natal, terão um brilhozinho especial. Quando me
deitar, à noite, olharei teus olhos (duas estrelas) e ficarei a ponto de cegar.
Como eu te amo!
Vieste ver-me à rede. Vestido vermelho.
Esperaste meu galanteio. Linda! E sorrias... Sorrias sempre. Essa era a
promessa dos meus últimos natais. Houvesse o que houvesse, tu vinhas com teu
jeito feliz e depositavas em meus olhos o sorriso mais lindo que já vi. Eu
estufava. Quimicamente, era completo e satisfeito. Minhas emoções implodiam, se
agitavam; os poros, as células não se continham... Era todo êxtase. De um
êxtase que não cabe em prosa nem em verso.
No meu próximo Natal, não farei planos.
Não projetarei nada. Talvez a vida melhore. É difícil piorar. Talvez eu termine
os estudos; talvez faça concurso... No próximo ano, talvez vá a Portugal.
Talvez não vá. Talvez. Tanto faz. Já não sou aquele menino detetive tentando
descobrir Papai Noel; tampouco o homem feliz que bebia da tua alegria. Não sou
nem um nem outro. Sou um homem qualquer para quem o Natal não importa mais.
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