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04 janeiro 2020

Sobretudo

Amo desta vida tudo
E mais viva mais amarei
A tudo e a todos
A uns e a outros 
A ti e a mais alguém

Nunca amores poupei
Não se poupa o que se não tem
Antes dá-se por completo
Bem querer a quem se quer bem

Amo os desejos torpes
O torpor em vai e vem
As cores - os azuis e os verdes
As paixões grafitadas nas paredes
O vazio, o nada, o nunca, o ninguém... 

Amo os risos - os prolongados e honestos
Os choros - miúdos, sofridos, funestos
As rugas que se erguem fortes e altivas
As horas teimando no rosto convencidas

Amo os maus jantares, as texturas nojentas da comida
Os gritos das crianças na calçada
A pipa que minha infância achou perdida

Amo as mulheres todas da minha vida
Adoro suas almas femininas
Seus trejeitos elegantes mal contidos
A invenção que fizeram do carinho

Amo-as mães, com os ventres rasgados e fecundos
Sua força de dar outro a este mundo
A generosidade acima de tudo

Amo essas almas elevadas
Para quem mais elevado é um filho

Amo as dores nas costas - revelam-me vivo
Os odores nauseabundos do banheiro da escola,
Problemas irresolutos e sarilhos

Amo os poetas, os filósofos incompreendidos
As palavras vãs e as vãs filosofias
As piores ideias - nas piores noites - nos piores dias

Amo os ósculos e os amplexos
Os desfechos abruptos e sem nexo
As casas antigas e sem teto
A dubiedade do reflexo

Amo teu rosto sincero
Tua dificuldade de mentir
As brigas, as zangas, a louça partida
O que sei e o que não sei exprimir. 
As horas na rede, a cerveja gelada
O ócio, o não pensar em nada...

Amo as palavras - as rudes e as meigas
As doces e as amargas
As que machucam e as que confortam
As que doem e as que não importam.
Amo-as pesadas, gordas, grávidas
Dando à luz;
Amo-as recicladas, temperadas, 
Fazendo ou não fazendo jus. 
Soltas, doidas, vagabundas
Sujas, maltrapilhas, imundas...
Amo-as todas
Como a todas as águas do mundo.

Amo tudo
Amar, sobretudo. 






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