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25 março 2012

Esquisses d´un Monde Perdu - capítulo 1 - Artista, mas pouco

        - Boa tarde!
        - Boa tarde.
        - Eu sou o Doutor Frânio, inspetor das atividades artístico-culturais do Estado. Tenho umas questõezinhas, pode ser?
        - Pode, sim. Entre, entre.

        Eufrásio fez o inspetor entrar. No olhar do Doutor Frânio está uma sala sombria, rasgada aqui e ali por umas frestas de luz. De todos os lados, à esquerda, ao fundo, à direita, cavaletes servindo de suporte a inúmeras telas pintadas a óleo, algumas inacabadas.

        - Se confirma. – solta o inspetor.
        - Como?- Eufrásio não entendendo.
        - Recebemos uma denúncia dando conta que o senhor é artista, um artista não habilitado.
        - Mas...
        - O senhor cursou Belas Artes?
        - Não, não.
        - Está registrado na sociedade brasileira de autores?
        - Não. Também não.
        - A coisa complica-se. A nota fiscal das tintas e das telas, por favor.
        - Não tenho. Quer dizer que tinha de guardar? Não sabia. Comprei e joguei a nota fora.
        - Não tem nota fiscal?
        - Não, não.
        - Complica-se ainda mais. Aquele quadro ali?... – aponta um quadro no fundo da sala representando um modelo nu.
        - É o “Garota Pelada”, como lhe chamo, óleo sobre tela, 50x80.
        - A moça... Quem é a moça?
        - Ninguém, senhor inspetor. É imaginária. Criação...
        - Garota pelada, é esse mesmo. E não foi isso que me foi dado saber. A menina Celina do início da rua, diz ser ela.
        - Mas como? A menina Celina é ruiva, aqui a moça do quadro tem cabelo negro.
        - Ainda pior, meu amigo. Falsificação, adulteração da realidade... Você está bem encrencado. – aproxima-se da tela. – Aqui, por exemplo. Foi outra coisa de que ela o acusou. Você quase não colocou pelos pubianos.
        - Mas não é ela, senhor inspetor!
        - Era melhor confessar logo de uma vez. Há pelo menos menos duas testemunhas que dizem tê-lo visto olhar a moça. Entende? Aquele olhar que nós sabemos. 
        - Não, eu não sei de nada.
        - Vá, não se faça de besta. O que o condena é sua falta de talento. Os peitos, repare. Repare bem. Este peito usa, no máximo dos máximos, vamos exagerar até um pouquinho, um trinta e oito. Ela usa quarenta e dois. Para além de que o peito da moça é o chamado “peito pêra” e o que aqui vemos é um “peito caju”. E muito mal representado, deixe que lhe diga. Mas que você tentou representar a moça e sem o consentimento dela, lá isso tentou! É isso o que mais perturba a menina Celina. Ela não se importaria de ver-se representada numa tela se o trabalho, a obra em causa fosse fiel à realidade. Dito pela boca dela.

        Por esta altura Eufrásio se resignara. Sentou-se num tamborete no centro da sala.

        - Essa cintura, por exemplo, não tem as medidas da moça. É um ultraje... Isto é um ultraje! Já para não falar nesta expressão nitidamente plagiada de “o grito” de Munch. Pelo amor de Deus, a moça é bem mais bonita. Esses lábios, por exemplo, nada sensuais... Coitada da pobre!... Aquela paisagem ali... É a praia do Meio, correto?
        - Sim, sim.
        - A licença, por favor.
        - Licença? Que licença?!
        - Você não tem a licença da prefeitura? Quando pinta uma paisagem urbana é necessário. Se assim não fosse qualquer um desenhava, bem ou mal, o que bem entendesse. Vivemos numa democracia, mas há limites! Valha-me Deus! – pegando o celular. – Rudolfo! Rudolfo? Alô! E aí, tudo bom? Temos um infrator aqui na Bernardo Vieira. É, meu amigo, estes artistas pensam que fazem o que querem. Sim, sim. Tragam o tranquilizante e as algemas. Sim, sim. É, é. Bem perigoso, sim. Ok! Até já.


4 comentários:

  1. cade mais? hahahhaha fiquei esperando....

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    1. Oi, Ana. Surgirão mais capítulos. Obrigado. E um grande abraço para você.

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  2. hahahahha
    meu deus, será que to cometendo um crime e não sei?! lol

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"Seja bem vindo quem vier por bem."