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10 setembro 2012

Não dá mais!



        Estou grávida, pai, estou grávida, eu paro, na verdade, tudo para, olho-a sério, Brincadeira da porra, né, Lia?, ela não se mexe, fica me olhando com aqueles olhos fugidios, cor de mel, bogalhudos e assustadiços, estática, brilho os tomando a um passo, como uma lágrima, e eu, que hei de eu dizer, entendi já tudo que tinha a entender, e num gesto instintivo, turvo, com raiva, pego a garrafa de uísque no bar, entorno, entorno, entorno, meia dose o caralho!, cheio!, cheio!, bato a garrafa com força no balcão de mármore, pego um ar, respiro forte, é necessário, meu Deus, Puta que pariu!, treze anos, Lia, treze anos, você tem treze anos!, e ela corre, foge, só escuto seus passos apressados, a correria escada acima, e uma espécie de choro e angústia, coitada, treze anos, daqui a seis meses faz catorze, mãe aos catorze, sento no sofá, dou um, dou dois, dou três, dou quatro goles longos, com vontade, pego o telefone, Marisa, a gente precisa falar, papo vai, papo vem, o rio acaba no mar, Imagina eu avô!

II

        Minha ex-mulher ri, me imagina trocando fralda, dando mamadeira, jogando bola com a criança, contrariado, farto, pior, ela me imagina velho, avô, avô é velho, neto é que nem o comprovante, Você se fodeu, cara, não é mais um garoto, juventude?, que juventude?, se liga, velho, você é avô, Poxa, Marisa, sabia que isso ia acontecer, mas já?, ela devia era brincar com bonecas ainda, ..., minha ex faz uma pausa, não fala nada, A culpa foi sua, Marisa!, solto, Sua!, Minha?, minha, como que você tem coragem de falar isso, hein?, você que leva essa vida de promiscuidade, você que é um mau exemplo pra ela!, Eu, mau exemplo?, eu? você tá de brincadeira, né?, você que largou tudo por causa desse merda desse cara pálida, esse bosta metido a grã-fino, você que casou com quinze anos, lembra?, quinze!, uma criança ainda, Foi, e com quem que casei, hein?, com você!, não vem agora com papinho, tá?, você que queria casar, era legal casar, se sentia muito macho casando, exibindo a mulher buchuda, mas você nem teve culpa, não, a culpa foi de pai e de mãe que deixaram eu fazer essa loucura, casar com um traste feito você, um maconheiro sem futuro, Para!, para!, para!, agora você foi longe demais, se algum de nós era sem futuro, você sabe bem quem era, não preciso nem falar, aliás, melhor não falar mesmo, Falar o quê, Juary?, falar o quê?, que você me tirou da rua?, é?, deixe de papinho pra boi dormir, cara, deixe, você não é nada, você não é nem nunca foi nada, nem pra marido você prestou, PLACK!, desligo, eu e Marisa sempre foi assim, o amor é ambivalente, não passam vinte segundos o telefone toca, Juary, você sabe que eu odeio quando bate o telefone na minha cara, sorrio, Não, não fui eu que desliguei, não, a chamada é que caiu, Juary, conta outra, tá?, Mudando de assunto, que é que a gente faz?, Como o que é que a gente faz?, tira, Juary, não tem nem o que pensar, eu tenho trinta anos!, trinta anos!, você tá me imaginando avó com trinta anos?, Mas assim, Marisa, tira e pronto?, Poxa, Juary, você sempre foi um puta sentimental!, você tá com medo de quê, hein?, que o bebê venha lá do outro mundo puxar tua perna?, esse bebê nem existe ainda, e nem vai saber, te garanto, nesse ponto riu, um riso grosso, importuno, feio, se riso pode ser feio, aquele era de certeza, ainda pra mais auxiliado por meia dúzia de dentes cariados e amarelos do cigarro, Tá certo, vou desligar, vou falar com ela, ainda nem sei quem é o pai...

III

        Pouso o telefone, dou um último gole do meu scotch, coragem, Juary, coragem, penso, há coisas piores, ..., há?, sim, há coisas piores, não lembro nada agora, mas há, pode ter certeza, subo as escadas, pensativo, que diabos vou dizer?, como falo com ela?, bato na porta, entro, minha filha está deitada de bruços na cama, cabeça voltada pra janela, Lia, precisamos conversar, ..., Liguei com tua mãe, pausa, A gente meio que brigou no início, você sabe como é sua mãe, foi logo pondo as culpas pra cima de mim, que eu que não te eduquei direito, essas coisas, mas o importante não é saber quem tem ou não culpa, o importante é a gente ver o que vai fazer,..., Falar com o pai do bebê também, ..., Lia, você tá me ouvindo?, e num repente, mesma posição, movimento algum, fala, Eu não sei quem é o pai, e eu me sinto atropelado, Deus tá de brincadeira!, fico sem saber o que falar, dentro de mim um misto de pasmo e raiva, Pô, Juary, você é um falhado!, falhou como filho, falhou como marido, agora como pai, falhou todos os objetivos, universidade, emprego público, atletismo, looooooooooooooooser!, O pai pode ser o Ken, ela continua, O Ken?!, o filho de Horácio?, Sim, ..., Lia, ele tem nove anos!, Eu sei, Anda na segunda série, Lia!, Eu sei, pai, E o outro quem é?, Pode ser o Xibim, ..., Xibim?, de onde é esse Xibim?, não sei quem é, Sabe sim, é o marido de dona Júlia, vizinha à padaria, um magrelo, Velho, emendo, Meu Deus, ele tem quantos anos?, pausa, Sessenta e sete, ..., não sei que dizer, sento na cadeira ao lado da cama, cabeça baixa, Lia, você tem certeza?, você tá grávida mesmo?, Tou, pai, ..., Quanto tempo?, você sabe?, ..., Oito meses, PUTA QUE PARIU! NÃO DÁ MAIS NEM PRA TIRAR!



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